10/11/10

Atitudes face a sinais de maus-tratos, insucesso, absentismo e abandono escolares

A nível comunitário, a Escola é uma das instituições privilegiadas, tal como os Hospitais e Centros de Saúde, para detecção e prevenção de situações de perigo, necessitando, para isso, da colaboração de outros sectores profissionais, tais como pedopsiquiatras, médicos, psicólogos, técnicos superiores de serviço social, entre outros, com quem possam trabalhar, num sistema de trabalho em rede.
A Escola, aqui entendida em todos os seus níveis de ensino, incluindo a Creche, que mesmo não enquadrada no sistema de ensino constitui um recurso educativo, passando pela Educação Pré-escolar, pelos Ensino Básico e Secundário, bem como, pelas administrações de quem esta depende a nível normativo, organizativo e formativo, é um espaço que está em posição privilegiada para a intervenção precoce das situações de risco:
           
“ A identificação de uma situação que levanta suspeita de risco ou maus-tratos para a criança, é baseada em determinados indicadores. Esta acção não pode ser “detectivesca”, na procura de apurar provas ou responsabilidades, mas simplesmente identificar os sinais da suspeita e actuar coordenadamente em interdisciplinaridade para a avaliação da situação”.

Em caso de suspeita da existência de um risco ou perigo para a criança, uma atitude célere de cada um de nós e das entidades implicadas, pode determinar o sucesso da acção.
Tendo em atenção estes princípios, uma intervenção, nomeadamente em Contexto Escolar, deverá abordar a detecção de situações de risco, tendo em consideração dois objectivos:

1.     Ampliar a maior quantidade possível de informação, tanto em relação à situação e ao problema em si, como à criança sobre quem recai a suspeita e sobre o respectivo agente, de forma a validar, com a máxima fiabilidade, qualquer suspeita de maus-tratos.

2.     E, indagar junto de outros profissionais, tendo em vista obter outros elementos de forma a:
a.     Avaliar o risco em que se encontra a criança sobre qual recai a suspeita de mau trato;
b.     Conhecer as diferentes variáveis que incidem na situação para se determinar se o caso pode ser abordado pelos próprios serviços, nomeadamente através da observação da criança em todo o seu contexto – aspecto, rosto, atitudes, jogos, condutas...; da escuta à criança através de qualquer forma de expressão pela qual se manifeste; do reconhecimento de indicadores de risco, que por si só transmitem situações anormais significativas, tanto ao nível da criança com ao do contexto familiar.

Recolhida a informação, deve o caso ser classificado segundo as seguintes possibilidades:

a.     Suspeita não confirmada – não requer qualquer actuação específica;
b.     Indicadores de baixo risco – intervenção da entidade com competência em matéria da infância e juventude;
c.      Indicadores de alto risco – determinam comunicação da situação à CPCJ
Em caso de se concluir que os indicadores são de baixo risco, a intervenção da entidade e particularmente da Escola, deve ter por base parte do estipulado no artigo 10º da Lei n.º 30/02 de 20 de Dezembro, republicada a 2/9/10:

1.     Perante situação de perigo para a segurança, saúde ou educação do aluno, designadamente por ameaça à sua integridade física ou psicológica, deve o director do agrupamento de escolas ou escola não agrupada diligenciar para lhe pôr termo, pelos meios estritamente adequados e necessários e sempre com preservação da vida privada do aluno e da sua família, actuando de modo articulado com os pais, representante legal ou quem tenha a guarda de facto do aluno.
2.     Para efeitos do disposto no número anterior, deve o director do agrupamento de escolas ou escola não agrupada, quando necessário, solicitar a cooperação das entidades competentes do sector público, privado ou social.
3.     Quando se verifique a oposição dos pais, representante legal ou quem tenha a guarda de facto do aluno, à intervenção da escola no âmbito da competência referida nos números anteriores, o director do agrupamento de escolas ou escola não agrupada deve comunicar imediatamente a situação à comissão de protecção de crianças e jovens com competência na área de residência do aluno ou, no caso de esta não se encontrar instalada, ao magistrado do Ministério Público junto do tribunal competente.
4.     Se a escola, no exercício da competência referida nos nºs 1 e 2, não conseguir assegurar, em tempo adequado, a protecção suficiente que as circunstâncias do caso exijam, cumpre ao director do agrupamento de escolas ou escola não agrupada comunicar a situação às entidades referidas no número anterior.

As acções a desenvolver devem ter em conta a gravidade do risco e inserir-se no sistema de protecção regular e disponível na comunidade. Nesta perspectiva, a natureza da intervenção deve ser normalizadora, aproveitando todos os recursos existentes, orientada de uma forma programada, intencional e coerente com os objectivos que se pretende atingir.
Face à avaliação inicial, e considerando o que a “Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo” determina, verificando-se a persistência do risco ou a incapacidade da entidade ou entidades com competência em matéria da infância e juventude, como a Escola, resolver favoravelmente o problema, deve, então, participar a situação à CPCJ não sendo imprescindível fazer provas absolutas do perigo: bastará apresentar a suspeita fundamentada de que se está perante uma situação de alto risco.
Ainda dentro do âmbito das suas competências as Escolas, podem proceder a encaminhamentos directos das questões ou, simplesmente, contactar as diversas instituições para esclarecer dúvidas. Será o caso do Insucesso Escolar, podendo recorrer-se a outras instituições, públicas ou privadas, com as quais a CPCJ tem parcerias, tais como a Equipa de Saúde Escolar (Centro de Saúde) ou o Gabinete do Adolescente (Instituto de Juventude).
No que se refere a problemas de Absentismo preocupante ou Abandono Escolares, depois de esgotados todos os recursos da sua competência, a Escola, através do seu órgão de gestão, deve enviar à CPCJ a ficha de sinalização, no mais curto espaço de tempo, de forma a prevenir riscos futuros, o que fará em ficha própria e nos termos do art.º 21º da Lei citada que diz:

1.     No 1.º ciclo do ensino básico o aluno não pode dar mais de 10 faltas injustificadas.
2.      Nos restantes ciclos ou níveis de ensino, as faltas injustificadas não podem exceder o dobro do número de tempos lectivos semanais, por disciplina.
3.     Quando for atingido metade do limite de faltas injustificadas, os pais ou encarregados de educação ou, quando maior de idade, o aluno, são convocados, pelo meio mais expedito, pelo director de turma ou pelo professor titular de turma.
4.     A notificação referida no número anterior deve alertar para as consequências da violação do limite de faltas injustificadas e procurar encontrar uma solução que permita garantir o cumprimento efectivo do dever de assiduidade.
5.     Caso se revele impraticável o referido no número anterior, por motivos não imputáveis à escola, e sempre que a gravidade especial da situação o justifique, a respectiva comissão de protecção de crianças e jovens deve ser informada do excesso de faltas do aluno, assim como dos procedimentos e diligências até então adoptados pela escola, procurando em conjunto soluções para ultrapassar a sua falta de assiduidade.
6.     Para efeitos do disposto nos nºs 1 e 2, são também contabilizadas como faltas injustificadas as decorrentes da aplicação da medida correctiva de ordem de saída da sala de aula, nos termos do n.º 5 do artigo 26.º, bem como as ausências decorrentes da aplicação da medida disciplinar sancionatória de suspensão prevista na alínea c) do n.º 2 do artigo 27.º.
 

A Intervenção das Escolas

Os maus tratos atingem o bem-estar físico e o psicológico, como também as relações interpessoais, a vivência da sexualidade, a responsabilidade, a confiança e os mecanismos e processos de gestão do poder, podendo marcar, de forma indelével, a curto, médio e longo prazo, a vida das crianças e dos adolescentes.
As agressões físicas, o abuso sexual e o não provimento das necessidades fundamentais a nível físico, orgânico, psicológico, afectivo, social e cultural, são formas bem conhecidas de maus-tratos. Contudo, por motivos sociais e culturais vários, não são tidos em consideração pelos profissionais que lidam com crianças e pelos cidadãos em geral. As violações mais graves constituem crimes, por ofensa de direitos fundamentais da pessoa, consagrados na Constituição da República e na Convenção sobre os Direitos da Criança.
Vivemos tempos de uma violência familiar sem par. A família, que deveria ser a principal matriz de segurança e a mais importante instituição humanizadora, socializadora e educativa do ser humano, protegendo e assegurando o pleno desenvolvimento da infância, está transformada num caos de sentimentos e de ambiguidades, expondo diariamente a criança a situações traumáticas como, a agressão física, o abandono, a fome, a pobreza, o trabalho infantil. As crianças e jovens expostos a tal violência, denotam problemas de toda a ordem, nomeadamente dificuldades de aprendizagem, de convivência social e, mesmo, físicos, apresentam sérias marcas emocionais, comprometendo todo o seu desenvolvimento integral.
Os pais que deveriam ser elementos de referência e protecção, percebendo-se hoje a verdadeira importância dos afectos para o crescimento saudável da criança, de forma a fazê-la sentir-se amada, estão cada vez mais sós, mais ausentes, não transmitindo, como lhes compete, a noção de que a criança é parte integrante de uma comunidade, encorajando-a a desenvolver um nível de auto-suficiência compatível com a sua idade, estimulando a sua independência, a sua autoconfiança, a sua tranquilidade, assegurando-lhe direitos como sejam o de terem uma vida digna, bem como uma formação bio - psicossocial garantida, de forma a crescer com uma estrutura emocional sólida e suficiente para vencer as dificuldades que encontrará durante a vida.
O fenómeno dos maus-tratos é, segundo Armando Leandro (1988), uma realidade humana complexa e que exige um abordagem interdisciplinar, sistémica e global, quer no domínio do estudo do fenómeno quer do no das acções para o prevenir ou no das respostas aos casos que não foram possíveis evitar.
A Escola, como entidade que tem competência em matéria de infância e juventude, tem obrigações inequívocas sobre a detecção e sinalização das situações de risco e perigo que envolvem as crianças e jovens. Ao educador e professor, que lida directamente com eles, cabe um papel determinante na eficácia do despiste, na prevenção e/ ou na minimização das consequências que poderão advir das situações de risco detectadas.
A intervenção da Escola torna-se, assim, legítima e importante, considerando o que é estipulado pela Lei 147/99, de 1 de Setembro, de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, no ponto 1, do seu art.º 3.º:
“A intervenção para a promoção dos direitos e protecção da criança e do jovem em perigo tem lugar quando os pais, representante legal ou quem tenha a guarda de facto ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação e desenvolvimento, ou quando esse perigo resulte de acção ou omissão de terceiros ou da própria criança ou do jovem a que aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo”.

01/11/10

Intervenção da CPCJ de Santarém em termos psicossociais

No contexto da intervenção da CPCJ de Santarém os técnicos deverão dinamizar e promover o acompanhamento psicossocial às famílias, cujo Acordo de Promoção e Protecção defina este acompanhamento, em articulação com os diversos parceiros e outras entidades.

A estratégia de intervenção deverá passar pela construção, com as famílias, de soluções coerentes que mobilizem, de forma articulada, os vários recursos existentes na comunidade, de modo a que aquelas se estruturem e se inseriram socialmente, tornando-se os seus membros cidadãos activos, responsáveis educadores, potenciando-se as suas capacidades e ajudando-se na construção de outras necessárias à educação formação e desenvolvimento das crianças.

No que diz respeito à articulação entre as várias instituições, pretende-se que ela permita a rentabilização dos recursos e que evite a duplicidade de intervenções e respostas às situações.

Esta articulação terá por base os parceiros da Rede Social, os quais se entende que sejam potenciadores no envolvimento participativo das comunidades, e motivadores do desenvolvimento social e local e, como tal, elementos facilitadores do Atendimento Integrado.

No atendimento e acompanhamento psicossocial referido, deverão ser analisadas as necessidades das famílias, bem como as suas potencialidades não só no contexto familiar mas, igualmente, no contexto comunitário. O trabalho a desenvolver deverá caminhar no sentido de ser um instrumento de responsabilização de cada pessoa, promovendo as condições de cumprimento dos respectivos deveres de responsabilidade parental e, em suma, de cidadania. Para tal a intervenção deve ir para além do reforço de dispositivos de assistência, devendo procurar proporcionar a participação activa de todos na vida familiar e social, bem como ter em consideração que a família é o “primeiro espaço de aprendizagem para a criança e para o jovem, é o «habitat» permanente de aquisição de conhecimentos e de valores, um lugar de formação ou de deformação onde se aprende a SER”.

A intervenção assentará no modelo sistémico e interdisciplinar, o qual tem como unidade básica de acção a família. É a partir desta unidade central que a acção se estruturará.

O processo de intervenção tem início com a sinalização da situação de perigo, pela validação da mesma pela Comissão Restrita com base em diligências sumárias, e respectiva autorização dos detentores das responsabilidades parentais ou da guarda de facto para o início da intervenção.

Realizar-se-á de seguida um diagnóstico, com o objectivo de se conhecer a situação da família em causa e, caso se justifique, desenvolver a intervenção.

Os principais passos a executar, no âmbito dos processos de promoção e protecção, pelos técnicos serão os seguintes:
•Diagnosticar, analisar e avaliar diferentes domínios, contextos, situações, os problemas e os comportamentos sobre os quais seja necessário intervir;
•Planear, organizar, desenvolver e avaliar, acções e actividades que dêem resposta às necessidades diagnosticadas;
•Definir estratégias, métodos e técnicas de intervenção face a cada situação diagnosticada;
•Identificar recursos, em termos da parceria, encaminhando e articulando, as soluções para as situações detectadas;
•Promover o acompanhamento e a reinserção de crianças e jovens que estejam institucionalizados,

Intervenção da CPCJ Santarém - Projecto de Vida

A quando da intervenção no âmbito processual tem-se em atenção o seguinte relativamente a Projecto de Vida:

a.Projecto de vida tende a ser um conjunto de interesses, necessidades e expectativas inerentes à pessoa na relação consigo própria e com a comunidade em que se insere;

b.O projecto de vida passa por ser a implementação de um conjunto de acções/actividades/medidas, conducentes à concretização daqueles interesses, necessidades e expectativas, a serem operacionalizadas pela pessoa ou por equipa multidisciplinar que, neste caso, apoia a pessoa com vista à elaboração de um plano individual e em áreas diversas consoante as necessidades;

c.Pretende-se, no segundo caso, proporcionar à pessoa, através de mecanismos adequados, à organização ou reorganização da sua vida pessoal, familiar, social, psicológica, habitacional ou outra;

d.Para tal a equipa deverá seguir uma metodologia assente na intervenção sistémica e integrada, construindo com o interessado (ou interessados), um plano de intervenção devidamente elencado, datado, para que se perceba a sua evolução;

e.Dever-se-á definir à partida os processos de avaliação que irão medir a evolução referida.

A quando da aplicação de medidas de promoção e protecção que envolvam outras equipas ou outros profissionais, dever-se-á transmitir o conceito aqui referido para que, fruto do trabalho integrado, acha um entendimento único sobre o mesmo.

14/10/10

O que são as Comissões de Protecção de Crianças e Jovens?

O modelo de protecção de crianças e jovens em perigo, em vigor desde Janeiro de 2001, apela à participação activa da comunidade, numa relação de parceria com o Estado, concretizada nas Comissões de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ), capaz de estimular as energias locais potenciadoras de estabelecimento de redes de desenvolvimento social. As Comissões de Protecção de Menores, criadas na sequência do Decreto - Lei nº 189/91, de 17/5, foram reformuladas e criadas novas, de acordo com a Lei de Promoção e Protecção aprovada pela Lei nº 147/99, de 1 de Setembro.
Aqui se definem as Comissões de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ) como instituições oficiais, não judiciárias, com autonomia funcional, tendo como área intervenção a do município onde têm sede, que visam promover os direitos da criança e do jovem e prevenir ou pôr termo a situações susceptíveis de afectar a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento integral.
O epicentro da intervenção nas situações de menores em perigo, que constitui um dever do Estado, com a nova Lei, desloca-se da mera protecção da infância para a efectiva promoção e protecção dos direitos das crianças e dos jovens constitucional e legalmente reconhecidos.
Reconhece-se que o seu desenvolvimento pleno implica a realização dos seus direitos sociais, culturais, económicos e civis e estabelece-se um equilíbrio entre os direitos das crianças e dos seus responsáveis legais, concedendo àquelas o direito de participar nas decisões que lhe dizem respeito.
Define-se um regime jurídico de promoção dos direitos e de protecção da criança e do jovem em perigo, de forma a garantir o seu bem-estar e desenvolvimento integral. Opta-se pelo conceito jurídico de "crianças e jovens em perigo" (artigo 1918º do Código Civil), limitando-se, assim, a legitimidade da intervenção às situações de risco que ponham em perigo a segurança, a saúde, a formação ou o desenvolvimento da criança ou do jovem.
Entende-se como criança em risco, a criança que, pelas suas características biológicas e/ou pelas características da sua família, está sujeita a elevadas probabilidades de vir a sofrer de omissões e privações que comprometam a satisfação das suas necessidades básicas de natureza material e afectiva.”
Este regime implica restrições a direitos fundamentais dos pais, designadamente do seu direito à educação e à manutenção dos filhos, e à liberdade e autodeterminação pessoal destes que, sendo excepcionais, respeitam os princípios constitucionais da necessidade, adequação e proporcionalidade.
Um outro aspecto, considerado de extrema importância, é a inclusão neste âmbito das crianças com dificuldades de integração social ou em situação de marginalidade, como a mendicidade, a vadiagem, a prostituição e o abuso de álcool, as quais deixaram de ser sujeitas às mesmas medidas e formas de intervenção que as crianças agentes de ofensas e bens jurídicos fundamentais, considerados por lei como crimes.

Quando se considera que uma criança ou jovem está em perigo?

Considera-se que a criança ou o jovem está em perigo quando, designadamente, se encontra numa das seguintes situações:
  • Está abandonada ou vive entregue a si própria;
  • Sofre maus-tratos físicos ou psíquicos ou é vítima de abusos sexuais;
  • Não recebe os cuidados ou a afeição adequados à sua idade e situação pessoal;
  • É obrigada a actividade ou trabalhos excessivos ou inadequados à sua idade, dignidade e situação pessoal ou prejudiciais à sua formação ou desenvolvimento;
  • Está sujeita, de forma directa ou indirecta, a comportamentos que afectem gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional;
  • Assume comportamentos ou se entrega a actividades ou consumos que afectem gravemente a sua saúde, segurança, formação, educação ou desenvolvimento sem que os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de factos lhes oponham de modo adequado a remover essa situação.
Nos termos previstos no Código Penal, de entre as situações possíveis que configuram a prática de crime sobre crianças e jovens, destacam-se:
  • Contra a vida – homicídio, infanticídio e exposição ou abandono.
  • Contra a vida intra-uterina – aborto
  • Contra a integridade física – ofensas à integridade física, maus-tratos
  • Contra a liberdade pessoal – ameaça, coacção, sequestro e rapto.
  • Contra a liberdade sexual – coação sexual, violação, abuso sexual, tráfico de pessoas, lenocínio e actos exibicionistas.
  • Contra a autodeterminação sexual – abuso sexual de crianças, abuso sexual de menores dependentes, abuso sexual com adolescentes, actos homossexuais com adolescentes, lenocínio e tráfico de menores, disposições comuns: agravação, queixa, inibição do poder paternal.
  • Contra outros bens jurídicos pessoais – gravações e fotografias ilícitas.
  • Contra a família – subtracção de menores.
Contra a ordem e a tranquilidades públicas – exploração de menor na mendicidade

Quais os princípios da intervenção?

A intervenção para a promoção dos direitos e protecção da criança e do jovem em perigo obedece aos seguintes princípios:
  • Interesse superior da criança - a intervenção deve atender, prioritariamente, aos interesses e direitos da criança e do jovem; deve ser entendido como o direito ao desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade.
  • Privacidade - a promoção dos direitos da criança e do jovem deve ser efectuada no respeito pela intimidade, direito à imagem e reserva da sua vida privada; não podem existir intromissões arbitrárias ou ilegais na vida privada da criança e família.
  • Intervenção precoce - a intervenção deve ser efectuada logo que a situação de perigo seja conhecida; no tempo certo, ou seja, logo que a situação seja detectada.
  • Intervenção mínima - a intervenção deve ser desenvolvida, exclusivamente, pelas entidades e instituições cuja a acção seja indispensável à efectiva promoção dos direitos e à protecção da criança e do jovem em perigo; ou pelas entidades ou instituições cuja participação seja indispensável. Pretende-se evitar actuações excessivas e sobrepostas.
  • Proporcionalidade e actualidade - a intervenção deve ser a necessária e ajustada à situação de perigo, e só pode interferir na sua vida e na vida da sua família, na medida em que for estritamente necessário a essa finalidade; apenas deve interferir na vida da criança e da criança na medida estritamente necessária ao afastamento do perigo.
  • Responsabilidade parental - a intervenção deve ser efectuada de modo a que os pais assumam os seus deveres para com a criança e o jovem.
  • Prevalência da família - na promoção dos direitos e na protecção da criança e do jovem deve ser dada prevalência às medidas que os integrem na sua família ou que promovam a adopção; isto porque constitui um direito fundamental de toda a criança poder desenvolver-se numa família que lhe proporcione um clima de felicidade, amor e compreensão entre outros.
  • Obrigatoriedade da informação - a criança e o jovem, os pais, o representante legal ou a pessoa que tenha a guarda de facto têm direito a ser informados dos seus direitos, dos motivos que determinaram a intervenção e da forma como esta se processa;
  • Audição obrigatória e participação - a criança e o jovem, bem como os pais, têm direito a ser ouvidos e a participar nos actos e na definição da medida de promoção dos direitos e protecção;
  • Subsidiariedade - a intervenção deve ser efectuada sucessivamente pelas entidades com competência em matéria de infância e juventude, rede informal, pelas comissões de protecção de crianças e jovens e, em última instância, pelos tribunais, rede formal; este preceito reflecte um modelo de intervenção baseado no respeito dos direitos da criança, conferindo-lhe um verdadeiro estatuto de cidadão de pleno direito.
Patamares de Intervenção

      ·        Família –
      ·        Entidades com competência em matéria de infância e Juventude
      ·        CPCJs
      ·        Tribunais

Quais as competências das Comissões de Protecção?

A intervenção das comissões de Protecção de Crianças e Jovens tem lugar quando não seja possível às entidades com competência em matéria de infância e juventude actuar de forma adequada e suficiente a remover o perigo em que se encontram.

A Comissão de Protecção funciona em modalidade alargada ou restrita, doravante designadas, respectivamente, de Comissão Alargada e de Comissão Restrita.

À Comissão Alargada compete desenvolver acções de promoção dos direitos e de prevenção das situações de perigo para a criança e jovem, nomeadamente:
  • Informar a comunidade sobre os direitos da criança e do jovem e sensibilizá-la para os apoiar sempre que estes conheçam especiais dificuldades;
  • Promover acções e colaborar com as entidades competentes tendo em vista a detecção dos factos e situações que afectem os direitos e interesses da criança e do jovem;
  • Colaborar com as entidades competentes no estudo e elaboração de projectos inovadores no domínio da prevenção primária dos factores de risco, bem como na constituição e funcionamento de uma rede de respostas sociais adequadas.
À Comissão Restrita compete intervir nas situações em que uma criança ou jovem está em perigo, nomeadamente:
  • Atender e informar as pessoas que se dirigem à Comissão de Protecção;
  • Apreciar liminarmente as situações de que a Comissão de Protecção tenha conhecimento;
  • Proceder à instrução dos processos;
  • Decidir a aplicação e acompanhar e rever as medidas de promoção e protecção, com excepção da medida de confiança a pessoa seleccionada para a adopção ou instituição com vista a futura adopção.

Que medidas podem ser aplicadas pelas Comissões de Protecção?

 A aplicação das medidas de promoção e de protecção é da competência exclusiva das comissões de protecção e dos tribunais.

“Entende-se por medidas de promoção e de protecção, a providência adoptada pelas CPCJs ou pelos tribunais, para proteger a criança e o jovem em perigo.”

A Lei tipifica, de uma forma hierarquizada, o regime das medidas de promoção e de protecção, embora remetendo para regulamentação autónoma a sua aplicação:
  • Apoio junto dos pais;
  • Apoio junto de outro familiar;
  • Confiança a pessoa idónea;
  • Apoio para a autonomia de vida;
  • Acolhimento familiar;
  • Acolhimento em instituição.

As medidas de promoção e de protecção são executadas no meio natural de vida ou em regime de colocação, consoante a sua natureza.

Estas medidas, de duração tendencialmente limitada e de revisão periódica, só podem ser aplicadas pelas Comissões de Protecção mediante o consentimento expresso dos detentores do poder paternal ou seus substitutos e a não oposição da criança, com idade igual ou superior a doze anos, devendo ser obrigatoriamente explicitadas num “acordo de promoção e de protecção”.
As Comissões de Protecção poderão, ainda, executar procedimentos de urgência quando exista perigo actual ou iminente para a vida ou integridade física.

Como se realiza a intervenção das Comissões de Protecção?

As Comissões de Protecção intervêm tendo por base, entre outros, os princípios mencionados e ainda:
§  Quando se esgotaram os recursos ao nível das entidades com competência em matéria de infância e juventude – rede informal, e não seja possível a actuação dessas entidades de volta a removerem o perigo em causa;
§  Quando há consentimento expresso dos pais, representante legal ou pessoa que tenha a guarda de facto;
§  Quando não há oposição da criança com idade igual ou superior a doze anos.
A intervenção realiza-se:
§  Pela aplicação e execução de medidas de promoção e protecção estabelecidas em acordo celebrado com as diferentes partes envolvidas;
§  Se for detectada ou confirmada situação de perigo actual ou iminente para a vida ou integridade física da criança ou jovem aplica e toma as medidas adequadas, e na ausência de consentimento, é obrigatória a comunicação aos serviços do Ministério Público e requerida a intervenção das autoridades policiais.

Quando é que tem lugar a intervenção dos Tribunais?

A intervenção dos Tribunais tem lugar quando:
§  A CPCJ não tenha competência para aplicar a medida de promoção;
§  Não seja prestado ou seja retirado o consentimento necessário à intervenção da Comissão;
§  A criança ou jovem se opõe à intervenção da Comissão;
§  Decorridos seis meses após o conhecimento da situação pela Comissão não tenha sido proferida qualquer decisão;
§  O Acordo de Promoção e Protecção seja reiteradamente não cumprido;
§  A Comissão não disponha dos meios necessários para aplicar ou executar a medida que considere adequada;
§  O Ministério Público considere que a decisão da Comissão é ilegal ou inadequada à promoção dos direitos ou à protecção da criança ou jovem;
§  O Tribunal decida apensação do processo da Comissão ao processo judicial.

Como se desenvolve a intervenção das entidades com competência em matéria de infância e Juventude?

A intervenção desta entidades, que poderão ser singulares ou colectivas, cooperativas, sociais ou privadas, que por desenvolverem actividades junto de crianças e jovens em diversas áreas, têm legitimidade para intervir no âmbito da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo (art.º 5º,  d) e art.º 6º e 7º), é desenvolvida:
§  De modo consensual com os pais ou os seus substitutos legais, de acordo com os princípios orientadores definidos na Lei de Protecção de Crianças e Jovens;
§  Com a não oposição da criança com idade igual ou superior a 12 anos (podendo a oposição da criança menor de 12 anos ser considerada relevante de acordo com a sua capacidade para compreender o sentido da intervenção);
§  Não aplicam medidas de promoção e protecção.

Torna-se necessários a comunicação da situação para as Comissões de Protecção:
§  Sempre que as entidades não possam, no âmbito exclusivo da sua competência, assegurar em tempo a protecção suficiente que as circunstâncias do caso exigem;
§  Sempre que houver oposição dos envolvidos à sua prossecução.

Por outro lado, se for detectada ou confirmada situação de perigo actual ou iminente para a vida ou integridade física da criança ou jovem, requerendo protecção imediata, é obrigatório a comunicação às autoridades policiais, Comissões de Protecção ou serviços do Ministério Público e, quando os factos que tenham determinado a situação de perigo constituam crime, estas entidades devem comunicá-las às autoridades policiais ou aos serviços do Ministério Público.

Como são constituídas as Comissões de Protecção?

A Comissão de protecção na sua modalidade alargada integra:
  • Um representante do município;
  • Um representante da segurança social;
  • Um representante dos serviços do Ministério da Educação;
  • Um médico, em representação dos serviços de saúde;
  • Um representante das instituições particulares de solidariedade social ou de outras organizações não governamentais que desenvolvam, na área de competência territorial da comissão de protecção, actividades de carácter não institucional, em meio natural de vida, destinadas a crianças e jovens;
  • Um representante das instituições particulares de solidariedade social ou de outras organizações não governamentais que desenvolvam, na área de competência territorial da comissão de protecção, actividades em regime de colocação institucional de crianças e jovens;
  • Um representante das associações de pais;
  • Um representante das associações ou outras organizações privadas que desenvolvam, actividades desportivas, culturais ou recreativas destinadas a crianças e jovens;
  • Um representante das associações de jovens ou um representante dos serviços de juventude;
  • Um ou dois representantes das forças de segurança, conforme na área de competência territorial da comissão de protecção existam apenas a Guarda Nacional Republicana ou a Polícia de Segurança Pública, ou ambas;
  • Quatro pessoas designadas pela assembleia municipal de entre cidadãos eleitores preferencialmente com especiais conhecimentos ou capacidades para intervir na área das crianças e jovens em perigo;
  • Os técnicos que venham a ser cooptados pela comissão, com formação, designadamente, em serviço social, psicologia, saúde ou direito, ou cidadãos com especial interesse pelos problemas da infância e juventude.
A Comissão Restrita é composta sempre por um número ímpar, nunca inferior a cinco, dos membros que integram a Comissão Alargada, sendo membros por inerência, o Presidente e os representantes do Município e da Segurança Social.

Quem acompanha e fiscaliza as Comissões de Protecção?

As Comissões de Protecção são acompanhadas, apoiadas e avaliadas pela Comissão Nacional de Protecção das Crianças em Risco, criada pelo Decreto - Lei n º 98/98, de 18 de Abril, a quem é cometida a planificação da intervenção do Estado e a coordenação, acompanhamento e avaliação da acção dos organismos públicos e da comunidade, na protecção de crianças e jovens em risco.

O acompanhamento e apoio da Comissão Nacional consiste, nomeadamente, em:
  • Proporcionar formação e informação adequados no domínio da promoção dos direitos da protecção das crianças e jovens em perigo;
  • Formular orientações e emitir directivas genéricas relativamente ao exercício de competências das comissões de protecção;
  • Apreciar e promover as respostas às solicitações que lhe sejam apresentadas pelas comissões de protecção sobre questões surgidas no exercício das suas competências;
  • Promover e dinamizar as respostas e os programas adequados no desempenho das competências das comissões de protecção;
  • Promover e dinamizar a celebração dos protocolos de cooperação.

Por sua vez, o Ministério Público acompanha a actividade das CPCJs, podendo solicitar informações ou esclarecimentos, e participar nas reuniões, dando parecer quando entender oportuno, bem como consultar os processos quando considere necessário, tendo em vista apreciar a legalidade e a adequação das decisões, a fiscalização da actividade processual com vista à promoção dos procedimentos judiciais adequados

Como funcionam as Comissões de Protecção?


As instalações e os meios materiais de apoio, nomeadamente um fundo de maneio, necessários ao funcionamento das comissões de protecção são assegurados pelo município, podendo, para o efeito, ser celebrados protocolos de cooperação com os serviços do Estado representados na Comissão Nacional de Protecção de Crianças e Jovens em Risco.

As autoridades administrativas e entidades policiais têm o dever de colaborar com as comissões de protecção no exercício das suas atribuições, incumbindo o dever de colaboração igualmente às pessoas singulares e colectivas que para tal sejam solicitadas.

Os membros da comissão de protecção representam e obrigam os serviços e as entidades que os designam.

As funções dos membros da comissão de protecção, no âmbito da competência desta, têm carácter prioritário relativamente às que exercem nos respectivos serviços.

O processo de promoção e protecção é de carácter reservado.
Os pais, o representante legal e as pessoas que detenham a guarda de facto podem consultar o processo pessoalmente ou através de advogado.

Como sinalizar as situações de perigo às Comissões de Protecção?


Qualquer pessoa que tenha conhecimento de situações que ponham em perigo a segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento da criança e do jovem, pode comunicá-las às entidades com competência em matéria de infância ou juventude, às entidades policiais, às comissões de protecção ou às autoridades judiciárias, podendo a participação ser feita: pessoalmente, por escrito, por endereço electrónico, pelo telefone ou fax.

Definição e tipologia de maus-tratos

Existem diversas definições para caracterizar os maus-tratos contra a criança. Contudo, tem sido difícil operacionalizar uma definição concreta, pela ambiguidade que caracteriza as situações e pelos diferentes propósitos que poderão presidir a tal definição, como sejam os propósitos legais, médicos, académicos ou, mesmo, as diferentes culturas onde a criança está inserida.
Segundo Martinez Roig e De Paul (1993), poderemos atender à seguinte definição de maus-tratos a crianças:
“ As lesões físicas ou psicológicas não acidentais ocasionadas pelos responsáveis do desenvolvimento, que são consequência de acções físicas, emocionais ou sexuais, de acção ou omissão e que ameaçam o desenvolvimento físico, psicológico e emocional, considerado como normal para a criança.”
A partir desta definição, foi possível discernir a existência de vários tipos e formas de maus-tratos, apesar da ausência de consenso conceptual em torno de tais demarcações tipológicas.
Neste Guia, tendo por base indicações da Comissão Nacional de Protecção de Crianças e Jovens em Risco, consideram-se, enquanto formas de maus-tratos, as que a seguir se caracterizam sumariamente:
1-    Abandono – Criança abandonada ou entregue a si própria, não tendo quem lhe assegure a satisfação das suas necessidades físicas básicas e de segurança.
2-    Negligência – Situação em que as necessidades físicas básicas da criança e a sua segurança não são atendidas por quem cuida dela (pais ou outros responsáveis), embora não de uma forma manifestamente intencional de causar danos à criança.
3-    Abandono Escolar – Abandono do ensino básico obrigatório por crianças e/ou jovens em idade escolar, i.e., entre os seis e os quinze anos de idade.
4-    Maus-tratos físicos – Acção não acidental de algum adulto que provocou danos físicos ou doenças na criança, ou que a coloca em grave risco de os ter, como consequência de alguma negligência.
5-    Maus-tratos psicológicos / Abuso emocional – Quando não são tomadas em consideração as necessidades psicológicas da criança, particularmente, as que têm a ver com as relações interpessoais e com a auto- estima.
6-    Abuso sexual – Utilização de um menor, por um adulto, para satisfazer os seus desejos sexuais.
7-    Trabalho infantil – Para obter benefícios económicos, a criança / jovem é obrigada a realizar trabalhos (sendo ou não domésticos), que excedam os limites do habitual, que deveriam ser realizados por adultos e que interferem, claramente, na vida escolar da criança.
8-    Exercício abusivo de autoridade – Uso abusivo do poder paternal que se traduz na prevalência dos interesses dos detentores do poder paternal, em detrimento dos direitos e da protecção da criança.
9-    Mendicidade – A criança é utilizada habitual ou esporadicamente para mendigar ou a criança a exerce por sua iniciativa.
10-  Exposição a modelos de comportamento desviante – Comportamentos do adulto que promovam na criança padrões de conduta anti-sociais ou desviantes, agressividade, apropriação indevida, sexualidade e tráfico ou consumo de drogas.
11-  Prática de facto qualificado como crime por criança com idade inferior a 12 anos – Comportamento que integra a prática de factos punidos pela Lei Penal.
12-  Uso de estupefacientes – Consumo abusivo de substâncias químicas psicoactivas, com menos de doze anos.
13-  Ingestão de Bebidas Alcoólicas – Consumo abusivo de bebidas alcoólicas. 
14-  Outras condutas desviantes – Condutas da criança / jovem com padrões anti-sociais ou desviantes.
15-  Problemas de saúde – Existência de doença física e / ou psiquiátrica.
16-  Outras situações de perigo – Condutas problemáticas da criança ou jovem não incluídas nos pontos anteriores.