14/10/10

O que são as Comissões de Protecção de Crianças e Jovens?

O modelo de protecção de crianças e jovens em perigo, em vigor desde Janeiro de 2001, apela à participação activa da comunidade, numa relação de parceria com o Estado, concretizada nas Comissões de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ), capaz de estimular as energias locais potenciadoras de estabelecimento de redes de desenvolvimento social. As Comissões de Protecção de Menores, criadas na sequência do Decreto - Lei nº 189/91, de 17/5, foram reformuladas e criadas novas, de acordo com a Lei de Promoção e Protecção aprovada pela Lei nº 147/99, de 1 de Setembro.
Aqui se definem as Comissões de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ) como instituições oficiais, não judiciárias, com autonomia funcional, tendo como área intervenção a do município onde têm sede, que visam promover os direitos da criança e do jovem e prevenir ou pôr termo a situações susceptíveis de afectar a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento integral.
O epicentro da intervenção nas situações de menores em perigo, que constitui um dever do Estado, com a nova Lei, desloca-se da mera protecção da infância para a efectiva promoção e protecção dos direitos das crianças e dos jovens constitucional e legalmente reconhecidos.
Reconhece-se que o seu desenvolvimento pleno implica a realização dos seus direitos sociais, culturais, económicos e civis e estabelece-se um equilíbrio entre os direitos das crianças e dos seus responsáveis legais, concedendo àquelas o direito de participar nas decisões que lhe dizem respeito.
Define-se um regime jurídico de promoção dos direitos e de protecção da criança e do jovem em perigo, de forma a garantir o seu bem-estar e desenvolvimento integral. Opta-se pelo conceito jurídico de "crianças e jovens em perigo" (artigo 1918º do Código Civil), limitando-se, assim, a legitimidade da intervenção às situações de risco que ponham em perigo a segurança, a saúde, a formação ou o desenvolvimento da criança ou do jovem.
Entende-se como criança em risco, a criança que, pelas suas características biológicas e/ou pelas características da sua família, está sujeita a elevadas probabilidades de vir a sofrer de omissões e privações que comprometam a satisfação das suas necessidades básicas de natureza material e afectiva.”
Este regime implica restrições a direitos fundamentais dos pais, designadamente do seu direito à educação e à manutenção dos filhos, e à liberdade e autodeterminação pessoal destes que, sendo excepcionais, respeitam os princípios constitucionais da necessidade, adequação e proporcionalidade.
Um outro aspecto, considerado de extrema importância, é a inclusão neste âmbito das crianças com dificuldades de integração social ou em situação de marginalidade, como a mendicidade, a vadiagem, a prostituição e o abuso de álcool, as quais deixaram de ser sujeitas às mesmas medidas e formas de intervenção que as crianças agentes de ofensas e bens jurídicos fundamentais, considerados por lei como crimes.

Quando se considera que uma criança ou jovem está em perigo?

Considera-se que a criança ou o jovem está em perigo quando, designadamente, se encontra numa das seguintes situações:
  • Está abandonada ou vive entregue a si própria;
  • Sofre maus-tratos físicos ou psíquicos ou é vítima de abusos sexuais;
  • Não recebe os cuidados ou a afeição adequados à sua idade e situação pessoal;
  • É obrigada a actividade ou trabalhos excessivos ou inadequados à sua idade, dignidade e situação pessoal ou prejudiciais à sua formação ou desenvolvimento;
  • Está sujeita, de forma directa ou indirecta, a comportamentos que afectem gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional;
  • Assume comportamentos ou se entrega a actividades ou consumos que afectem gravemente a sua saúde, segurança, formação, educação ou desenvolvimento sem que os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de factos lhes oponham de modo adequado a remover essa situação.
Nos termos previstos no Código Penal, de entre as situações possíveis que configuram a prática de crime sobre crianças e jovens, destacam-se:
  • Contra a vida – homicídio, infanticídio e exposição ou abandono.
  • Contra a vida intra-uterina – aborto
  • Contra a integridade física – ofensas à integridade física, maus-tratos
  • Contra a liberdade pessoal – ameaça, coacção, sequestro e rapto.
  • Contra a liberdade sexual – coação sexual, violação, abuso sexual, tráfico de pessoas, lenocínio e actos exibicionistas.
  • Contra a autodeterminação sexual – abuso sexual de crianças, abuso sexual de menores dependentes, abuso sexual com adolescentes, actos homossexuais com adolescentes, lenocínio e tráfico de menores, disposições comuns: agravação, queixa, inibição do poder paternal.
  • Contra outros bens jurídicos pessoais – gravações e fotografias ilícitas.
  • Contra a família – subtracção de menores.
Contra a ordem e a tranquilidades públicas – exploração de menor na mendicidade

Quais os princípios da intervenção?

A intervenção para a promoção dos direitos e protecção da criança e do jovem em perigo obedece aos seguintes princípios:
  • Interesse superior da criança - a intervenção deve atender, prioritariamente, aos interesses e direitos da criança e do jovem; deve ser entendido como o direito ao desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade.
  • Privacidade - a promoção dos direitos da criança e do jovem deve ser efectuada no respeito pela intimidade, direito à imagem e reserva da sua vida privada; não podem existir intromissões arbitrárias ou ilegais na vida privada da criança e família.
  • Intervenção precoce - a intervenção deve ser efectuada logo que a situação de perigo seja conhecida; no tempo certo, ou seja, logo que a situação seja detectada.
  • Intervenção mínima - a intervenção deve ser desenvolvida, exclusivamente, pelas entidades e instituições cuja a acção seja indispensável à efectiva promoção dos direitos e à protecção da criança e do jovem em perigo; ou pelas entidades ou instituições cuja participação seja indispensável. Pretende-se evitar actuações excessivas e sobrepostas.
  • Proporcionalidade e actualidade - a intervenção deve ser a necessária e ajustada à situação de perigo, e só pode interferir na sua vida e na vida da sua família, na medida em que for estritamente necessário a essa finalidade; apenas deve interferir na vida da criança e da criança na medida estritamente necessária ao afastamento do perigo.
  • Responsabilidade parental - a intervenção deve ser efectuada de modo a que os pais assumam os seus deveres para com a criança e o jovem.
  • Prevalência da família - na promoção dos direitos e na protecção da criança e do jovem deve ser dada prevalência às medidas que os integrem na sua família ou que promovam a adopção; isto porque constitui um direito fundamental de toda a criança poder desenvolver-se numa família que lhe proporcione um clima de felicidade, amor e compreensão entre outros.
  • Obrigatoriedade da informação - a criança e o jovem, os pais, o representante legal ou a pessoa que tenha a guarda de facto têm direito a ser informados dos seus direitos, dos motivos que determinaram a intervenção e da forma como esta se processa;
  • Audição obrigatória e participação - a criança e o jovem, bem como os pais, têm direito a ser ouvidos e a participar nos actos e na definição da medida de promoção dos direitos e protecção;
  • Subsidiariedade - a intervenção deve ser efectuada sucessivamente pelas entidades com competência em matéria de infância e juventude, rede informal, pelas comissões de protecção de crianças e jovens e, em última instância, pelos tribunais, rede formal; este preceito reflecte um modelo de intervenção baseado no respeito dos direitos da criança, conferindo-lhe um verdadeiro estatuto de cidadão de pleno direito.
Patamares de Intervenção

      ·        Família –
      ·        Entidades com competência em matéria de infância e Juventude
      ·        CPCJs
      ·        Tribunais

Quais as competências das Comissões de Protecção?

A intervenção das comissões de Protecção de Crianças e Jovens tem lugar quando não seja possível às entidades com competência em matéria de infância e juventude actuar de forma adequada e suficiente a remover o perigo em que se encontram.

A Comissão de Protecção funciona em modalidade alargada ou restrita, doravante designadas, respectivamente, de Comissão Alargada e de Comissão Restrita.

À Comissão Alargada compete desenvolver acções de promoção dos direitos e de prevenção das situações de perigo para a criança e jovem, nomeadamente:
  • Informar a comunidade sobre os direitos da criança e do jovem e sensibilizá-la para os apoiar sempre que estes conheçam especiais dificuldades;
  • Promover acções e colaborar com as entidades competentes tendo em vista a detecção dos factos e situações que afectem os direitos e interesses da criança e do jovem;
  • Colaborar com as entidades competentes no estudo e elaboração de projectos inovadores no domínio da prevenção primária dos factores de risco, bem como na constituição e funcionamento de uma rede de respostas sociais adequadas.
À Comissão Restrita compete intervir nas situações em que uma criança ou jovem está em perigo, nomeadamente:
  • Atender e informar as pessoas que se dirigem à Comissão de Protecção;
  • Apreciar liminarmente as situações de que a Comissão de Protecção tenha conhecimento;
  • Proceder à instrução dos processos;
  • Decidir a aplicação e acompanhar e rever as medidas de promoção e protecção, com excepção da medida de confiança a pessoa seleccionada para a adopção ou instituição com vista a futura adopção.

Que medidas podem ser aplicadas pelas Comissões de Protecção?

 A aplicação das medidas de promoção e de protecção é da competência exclusiva das comissões de protecção e dos tribunais.

“Entende-se por medidas de promoção e de protecção, a providência adoptada pelas CPCJs ou pelos tribunais, para proteger a criança e o jovem em perigo.”

A Lei tipifica, de uma forma hierarquizada, o regime das medidas de promoção e de protecção, embora remetendo para regulamentação autónoma a sua aplicação:
  • Apoio junto dos pais;
  • Apoio junto de outro familiar;
  • Confiança a pessoa idónea;
  • Apoio para a autonomia de vida;
  • Acolhimento familiar;
  • Acolhimento em instituição.

As medidas de promoção e de protecção são executadas no meio natural de vida ou em regime de colocação, consoante a sua natureza.

Estas medidas, de duração tendencialmente limitada e de revisão periódica, só podem ser aplicadas pelas Comissões de Protecção mediante o consentimento expresso dos detentores do poder paternal ou seus substitutos e a não oposição da criança, com idade igual ou superior a doze anos, devendo ser obrigatoriamente explicitadas num “acordo de promoção e de protecção”.
As Comissões de Protecção poderão, ainda, executar procedimentos de urgência quando exista perigo actual ou iminente para a vida ou integridade física.

Como se realiza a intervenção das Comissões de Protecção?

As Comissões de Protecção intervêm tendo por base, entre outros, os princípios mencionados e ainda:
§  Quando se esgotaram os recursos ao nível das entidades com competência em matéria de infância e juventude – rede informal, e não seja possível a actuação dessas entidades de volta a removerem o perigo em causa;
§  Quando há consentimento expresso dos pais, representante legal ou pessoa que tenha a guarda de facto;
§  Quando não há oposição da criança com idade igual ou superior a doze anos.
A intervenção realiza-se:
§  Pela aplicação e execução de medidas de promoção e protecção estabelecidas em acordo celebrado com as diferentes partes envolvidas;
§  Se for detectada ou confirmada situação de perigo actual ou iminente para a vida ou integridade física da criança ou jovem aplica e toma as medidas adequadas, e na ausência de consentimento, é obrigatória a comunicação aos serviços do Ministério Público e requerida a intervenção das autoridades policiais.

Quando é que tem lugar a intervenção dos Tribunais?

A intervenção dos Tribunais tem lugar quando:
§  A CPCJ não tenha competência para aplicar a medida de promoção;
§  Não seja prestado ou seja retirado o consentimento necessário à intervenção da Comissão;
§  A criança ou jovem se opõe à intervenção da Comissão;
§  Decorridos seis meses após o conhecimento da situação pela Comissão não tenha sido proferida qualquer decisão;
§  O Acordo de Promoção e Protecção seja reiteradamente não cumprido;
§  A Comissão não disponha dos meios necessários para aplicar ou executar a medida que considere adequada;
§  O Ministério Público considere que a decisão da Comissão é ilegal ou inadequada à promoção dos direitos ou à protecção da criança ou jovem;
§  O Tribunal decida apensação do processo da Comissão ao processo judicial.

Como se desenvolve a intervenção das entidades com competência em matéria de infância e Juventude?

A intervenção desta entidades, que poderão ser singulares ou colectivas, cooperativas, sociais ou privadas, que por desenvolverem actividades junto de crianças e jovens em diversas áreas, têm legitimidade para intervir no âmbito da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo (art.º 5º,  d) e art.º 6º e 7º), é desenvolvida:
§  De modo consensual com os pais ou os seus substitutos legais, de acordo com os princípios orientadores definidos na Lei de Protecção de Crianças e Jovens;
§  Com a não oposição da criança com idade igual ou superior a 12 anos (podendo a oposição da criança menor de 12 anos ser considerada relevante de acordo com a sua capacidade para compreender o sentido da intervenção);
§  Não aplicam medidas de promoção e protecção.

Torna-se necessários a comunicação da situação para as Comissões de Protecção:
§  Sempre que as entidades não possam, no âmbito exclusivo da sua competência, assegurar em tempo a protecção suficiente que as circunstâncias do caso exigem;
§  Sempre que houver oposição dos envolvidos à sua prossecução.

Por outro lado, se for detectada ou confirmada situação de perigo actual ou iminente para a vida ou integridade física da criança ou jovem, requerendo protecção imediata, é obrigatório a comunicação às autoridades policiais, Comissões de Protecção ou serviços do Ministério Público e, quando os factos que tenham determinado a situação de perigo constituam crime, estas entidades devem comunicá-las às autoridades policiais ou aos serviços do Ministério Público.

Como são constituídas as Comissões de Protecção?

A Comissão de protecção na sua modalidade alargada integra:
  • Um representante do município;
  • Um representante da segurança social;
  • Um representante dos serviços do Ministério da Educação;
  • Um médico, em representação dos serviços de saúde;
  • Um representante das instituições particulares de solidariedade social ou de outras organizações não governamentais que desenvolvam, na área de competência territorial da comissão de protecção, actividades de carácter não institucional, em meio natural de vida, destinadas a crianças e jovens;
  • Um representante das instituições particulares de solidariedade social ou de outras organizações não governamentais que desenvolvam, na área de competência territorial da comissão de protecção, actividades em regime de colocação institucional de crianças e jovens;
  • Um representante das associações de pais;
  • Um representante das associações ou outras organizações privadas que desenvolvam, actividades desportivas, culturais ou recreativas destinadas a crianças e jovens;
  • Um representante das associações de jovens ou um representante dos serviços de juventude;
  • Um ou dois representantes das forças de segurança, conforme na área de competência territorial da comissão de protecção existam apenas a Guarda Nacional Republicana ou a Polícia de Segurança Pública, ou ambas;
  • Quatro pessoas designadas pela assembleia municipal de entre cidadãos eleitores preferencialmente com especiais conhecimentos ou capacidades para intervir na área das crianças e jovens em perigo;
  • Os técnicos que venham a ser cooptados pela comissão, com formação, designadamente, em serviço social, psicologia, saúde ou direito, ou cidadãos com especial interesse pelos problemas da infância e juventude.
A Comissão Restrita é composta sempre por um número ímpar, nunca inferior a cinco, dos membros que integram a Comissão Alargada, sendo membros por inerência, o Presidente e os representantes do Município e da Segurança Social.

Quem acompanha e fiscaliza as Comissões de Protecção?

As Comissões de Protecção são acompanhadas, apoiadas e avaliadas pela Comissão Nacional de Protecção das Crianças em Risco, criada pelo Decreto - Lei n º 98/98, de 18 de Abril, a quem é cometida a planificação da intervenção do Estado e a coordenação, acompanhamento e avaliação da acção dos organismos públicos e da comunidade, na protecção de crianças e jovens em risco.

O acompanhamento e apoio da Comissão Nacional consiste, nomeadamente, em:
  • Proporcionar formação e informação adequados no domínio da promoção dos direitos da protecção das crianças e jovens em perigo;
  • Formular orientações e emitir directivas genéricas relativamente ao exercício de competências das comissões de protecção;
  • Apreciar e promover as respostas às solicitações que lhe sejam apresentadas pelas comissões de protecção sobre questões surgidas no exercício das suas competências;
  • Promover e dinamizar as respostas e os programas adequados no desempenho das competências das comissões de protecção;
  • Promover e dinamizar a celebração dos protocolos de cooperação.

Por sua vez, o Ministério Público acompanha a actividade das CPCJs, podendo solicitar informações ou esclarecimentos, e participar nas reuniões, dando parecer quando entender oportuno, bem como consultar os processos quando considere necessário, tendo em vista apreciar a legalidade e a adequação das decisões, a fiscalização da actividade processual com vista à promoção dos procedimentos judiciais adequados

Como funcionam as Comissões de Protecção?


As instalações e os meios materiais de apoio, nomeadamente um fundo de maneio, necessários ao funcionamento das comissões de protecção são assegurados pelo município, podendo, para o efeito, ser celebrados protocolos de cooperação com os serviços do Estado representados na Comissão Nacional de Protecção de Crianças e Jovens em Risco.

As autoridades administrativas e entidades policiais têm o dever de colaborar com as comissões de protecção no exercício das suas atribuições, incumbindo o dever de colaboração igualmente às pessoas singulares e colectivas que para tal sejam solicitadas.

Os membros da comissão de protecção representam e obrigam os serviços e as entidades que os designam.

As funções dos membros da comissão de protecção, no âmbito da competência desta, têm carácter prioritário relativamente às que exercem nos respectivos serviços.

O processo de promoção e protecção é de carácter reservado.
Os pais, o representante legal e as pessoas que detenham a guarda de facto podem consultar o processo pessoalmente ou através de advogado.

Como sinalizar as situações de perigo às Comissões de Protecção?


Qualquer pessoa que tenha conhecimento de situações que ponham em perigo a segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento da criança e do jovem, pode comunicá-las às entidades com competência em matéria de infância ou juventude, às entidades policiais, às comissões de protecção ou às autoridades judiciárias, podendo a participação ser feita: pessoalmente, por escrito, por endereço electrónico, pelo telefone ou fax.

Definição e tipologia de maus-tratos

Existem diversas definições para caracterizar os maus-tratos contra a criança. Contudo, tem sido difícil operacionalizar uma definição concreta, pela ambiguidade que caracteriza as situações e pelos diferentes propósitos que poderão presidir a tal definição, como sejam os propósitos legais, médicos, académicos ou, mesmo, as diferentes culturas onde a criança está inserida.
Segundo Martinez Roig e De Paul (1993), poderemos atender à seguinte definição de maus-tratos a crianças:
“ As lesões físicas ou psicológicas não acidentais ocasionadas pelos responsáveis do desenvolvimento, que são consequência de acções físicas, emocionais ou sexuais, de acção ou omissão e que ameaçam o desenvolvimento físico, psicológico e emocional, considerado como normal para a criança.”
A partir desta definição, foi possível discernir a existência de vários tipos e formas de maus-tratos, apesar da ausência de consenso conceptual em torno de tais demarcações tipológicas.
Neste Guia, tendo por base indicações da Comissão Nacional de Protecção de Crianças e Jovens em Risco, consideram-se, enquanto formas de maus-tratos, as que a seguir se caracterizam sumariamente:
1-    Abandono – Criança abandonada ou entregue a si própria, não tendo quem lhe assegure a satisfação das suas necessidades físicas básicas e de segurança.
2-    Negligência – Situação em que as necessidades físicas básicas da criança e a sua segurança não são atendidas por quem cuida dela (pais ou outros responsáveis), embora não de uma forma manifestamente intencional de causar danos à criança.
3-    Abandono Escolar – Abandono do ensino básico obrigatório por crianças e/ou jovens em idade escolar, i.e., entre os seis e os quinze anos de idade.
4-    Maus-tratos físicos – Acção não acidental de algum adulto que provocou danos físicos ou doenças na criança, ou que a coloca em grave risco de os ter, como consequência de alguma negligência.
5-    Maus-tratos psicológicos / Abuso emocional – Quando não são tomadas em consideração as necessidades psicológicas da criança, particularmente, as que têm a ver com as relações interpessoais e com a auto- estima.
6-    Abuso sexual – Utilização de um menor, por um adulto, para satisfazer os seus desejos sexuais.
7-    Trabalho infantil – Para obter benefícios económicos, a criança / jovem é obrigada a realizar trabalhos (sendo ou não domésticos), que excedam os limites do habitual, que deveriam ser realizados por adultos e que interferem, claramente, na vida escolar da criança.
8-    Exercício abusivo de autoridade – Uso abusivo do poder paternal que se traduz na prevalência dos interesses dos detentores do poder paternal, em detrimento dos direitos e da protecção da criança.
9-    Mendicidade – A criança é utilizada habitual ou esporadicamente para mendigar ou a criança a exerce por sua iniciativa.
10-  Exposição a modelos de comportamento desviante – Comportamentos do adulto que promovam na criança padrões de conduta anti-sociais ou desviantes, agressividade, apropriação indevida, sexualidade e tráfico ou consumo de drogas.
11-  Prática de facto qualificado como crime por criança com idade inferior a 12 anos – Comportamento que integra a prática de factos punidos pela Lei Penal.
12-  Uso de estupefacientes – Consumo abusivo de substâncias químicas psicoactivas, com menos de doze anos.
13-  Ingestão de Bebidas Alcoólicas – Consumo abusivo de bebidas alcoólicas. 
14-  Outras condutas desviantes – Condutas da criança / jovem com padrões anti-sociais ou desviantes.
15-  Problemas de saúde – Existência de doença física e / ou psiquiátrica.
16-  Outras situações de perigo – Condutas problemáticas da criança ou jovem não incluídas nos pontos anteriores.

Sinais e sintomas de maus-tratos


Cada criança maltratada, abusada ou negligenciada é um caso a mais. E é um caso inaceitável. E mesmo que as vítimas se remetam ao silêncio, por medo dos agressores ou de não serem escutadas ou entendidas, os crimes de maus-tratos têm que ser denunciados, sob pena de com eles sermos coniventes.

A atitude a tomar tem que ser competente e coordenada entre os vários responsáveis e intervenientes, com o envolvimento da comunidade e dos seus recursos, em todos os casos em que a criança é agredida fisicamente, molestada sexualmente, exposta a perigos que poderão pôr em risco a sua integridade física ou psicológica, ou sempre que não lhe são providas as suas necessidades fundamentais (afecto e amor, alimentação, vestuário, segurança, escola, vacinação, prevenção de acidentes e promoção da segurança, etc).
Em caso de manifesto insucesso escolar e outras dificuldades escolares deve a escola proporcionar o encaminhamento para avaliação no serviço de Saúde Escolar a funcionar no Centro de Saúde de Santarém.
No Quadro referem-se alguns indicadores de sinais e sintomas no que diz respeito a negligência, maus-tratos físicos, abuso sexual e maus-tratos psicológicos/abuso emocional, tendo por base Teresa Magalhães (2002) ,  Melo (1995) e Figueiredo (1998) respectivamente.

Guia Prático Para Identificação e Despiste de Situações de Maus-Tratos



Tipologias


Sinais


Sintomas/Consequências Psicológicas e Comportamentais











Negligência
·        Sinais físicos de negligência prolongada: atraso ou baixo crescimento, cabelo fino, abdómen proeminente, arrefecimento persistente, mãos e pés avermelhados (quando o médico exclua qualquer doença).
·        Carência de higienização: sujidade, eritema genital, etc.
·        Alimentação e /ou hábitos alimentares inadequados.
·        Vestuário desadequado em relação à época e lesões consecutivas a exposições climáticas adversas.
·        Vitaminopatias; cárie dentária; unhas quebradiças;
·        Infecção leves, recorrentes ou persistentes ou outra doença crónica que não mereceu tratamento médico.
·        Hematomas ou lesões inexplicadas e acidentes frequentes por falta de supervisão de situações perigosas.
·        Atraso no desenvolvimento sexual.
·        Atraso nas aquisições sociais e em todas as áreas da maturidade (linguagem, motricidade, socialização).
·         Perturbação do apetite e comportamentos estranhos, como roubo de alimentos e tendência para enfartar-se com a comida.
·        Perturbações do sono, sonolência, apatia, depressão, hiperactividade, agressividade.
·        Problemas de aprendizagem e absentismo escolar.
·        Pobre relacionamento com as outras crianças.
·        Condutas para chamar a atenção dos adultos.
·        Tendência à fantasia.
·        Comportamentos anti-sociais.
·        Falta persistente dos pais ou cuidadores na procura ou acompanhamento dos menores na escola e nos cuidados de saúde.








Maus -Tratos Físicos
·        A criança aparece com cortes, hematomas, queimaduras, feridas ou fracturas e a explicação para as mesmas não é convincente.
·        A própria criança procura esconder as lesões antigas ou possíveis dores para não denunciar a família.



·        Pode tornar-se agressiva com as outras crianças, ou ser muito assustadiça parecendo estar sempre com medo dos pais;
·        Pode mostrar-se depressiva, ter tiques nervosos e atitudes auto-destrutivas ou dizer que não gosta de si mesma;
·        Pode desenvolver uma infelicidade generalizada com sentimentos negativos de raiva e medo quanto ao agressor, sentimentos estes que podem provocar dificuldades de relacionamentos e de confiar nos outros.
·        Dificuldades escolares e fugas de casa também estão muito presentes para vítimas de maus tratos físicos;








Abuso Sexual

·        Dificuldades em caminhar; infecções urinárias; secreções vaginais ou penianas; baixo controle dos esfíncteres; enfermidades psicossomáticas; roupas rasgadas ou com manchas de sangue; dor ou coceira na área genital; dificuldade para urinar; edema e sangramento genital ou anal;

·        Vergonha excessiva; auto flagelação; comportamento sexual inadequado para a sua idade; regressão a estados de desenvolvimento anterior; tendências suicidas; fugas constantes de casa; mostra interesse não usual por assuntos sexuais e usa terminologia é inapropriada para a idade; masturba-se excessivamente; desenha órgãos genitais além de sua capacidade etária; alteração de humor – retraída/ extrovertida; resiste a participar em actividades físicas; relata avanços sexuais de adultos; resiste a vestir-se ou a despir-se; resiste a voltar para casa após uma aula; mostra medo de lugares fechados; tenta mostrar-se “boazinha”; papel de mãe; conduta muita sexualizada.














Maus -Tratos psicológicos/abuso emocional









·        Deficiências não orgânicas de crescimento, com baixa estatura (podem apresentar sinais físicos de privação, como os descritos para a negligência, mesmo quando os cuidados físicos parecem adequados).
·        Infecções, asma, doenças cutâneas, alergias.
·        Auto- mutilação (ex: arranhar-se).
·        Perturbações funcionais:
-apetite: anorexia, bulimia.
-sono: terrores nocturnos, falar durante o sono, posição fetal;
- controle dos esfíncteres: enurese, encomprese;
- fala: gaguez;
- outras: tonturas, dores de cabeça, musculares, e abdominais sem causa orgânica aparente, interrupção da menstruação na adolescência;
·        Perturbações cognitivas:
- atraso no desenvolvimento da linguagem, perturbações da memória para as experiências do abuso, baixa auto-estima e sentimentos de inferioridade, alterações da concentração, atenção e memória, dificuldades de aprendizagem;
·        Perturbações afectivas: choro incontrolado, sentimentos de vergonha e de culpa, medos concretos ou indeterminados, timidez, inadequação na maturidade (excessivamente infantil ou adulto);
·        Perturbações do comportamento: desinteresse total pela sua pessoa; falta de curiosidade e de natural comportamento exploratório; défice na capacidade Para brincar, jogar e divertir-se; excessiva ansiedade ou dificuldade em relações afectivas interpessoais, isolamento afastamento dos amigos e familiares, hostilidade, falta de confiança nos adultos, agressividade, manifestações de raiva contra pessoas específicas, designadamente a mãe; fugas de casa ou relutância em voltar para casa; medo timidez, docilidade extrema (pode indicar diminuição da auto-estima), passividade ou comportamentos negativistas e /ou violentos (com agressões físicas a outras crianças ou adultos, incluindo o abusador e a família); relações sociais passivas, escassas ou conflituosas e falta de resposta a estímulos sociais; comportamentos bizarros (ex: colocar brinquedos e móveis diante da porta do quarto para se protegerem de possíveis agressões; acidentes muito frequentes; problemas escolares: faltas e fugas, diminuição do rendimento; comportamentos desviantes: delinquência, abuso de álcool ou drogas, prostituição;
·        Alterações do foro psiquiátrico: agitação, hiperactividade, ansiedade, depressão, mudanças súbitas de humor e comportamento, comportamentos obsessivo- compulsivos e /ou de auto- mutilação, ideação e/ou tentativas de suicídio, neuroses graves (manias, fobias), alterações da personalidade e psicoses, regressões no comportamento (voltar a chuchar no dedo, etc.), falta de integração entre o pensamento e a linguagem.